Cultura Livre de Lawrence Lessig
Esse texto é um fichamentos dos capítulos 4 e 5 do livro Cultura Livre do autor Lawrence Lessig. A organização do texto vai ser composta por um breve resumo sobre o autor e em seguidas as citações centrais retiradas do texto em ordem de paginação. E abaixo de cada citação vai estar exposto o que foi entendido dela no texto e algumas associações e inferências sobre o fragmento do texto.
Lawrence Lessig é um escritor nascido em 3 de junho de 1961 (57 anos) na cidade de Rapid City do estado da Dakota do Sul dos EUA. Ele é professor da faculdade de Direito de Harvard, e é conhecido por sua atuação em defesa da flexibilização das leis de direitos autorais e pela criação dos Creative Commons. Para sustentar essa tese dentre muitas coisas ele afirma que as empresas que hoje impõem essa rigidez exacerbada das leis, só se tornaram o que são hoje porque se beneficiaram dessa flexibilização nos primeiros anos das suas fundações.
Para conhecer mais sobre o modo de pensar do autor, assistir o vídeo do TED.
Capítulo 4 — “Piratas”
4.1 Filmes
“Se podemos entender “pirataria” como o uso de propriedade intelectual dos outros sem permissão — ainda mais se o princípio “se tem valor, tem direito” estiver correto — então a história da indústria cultural é uma história de pirataria. Todos os setores importantes da “grande mídia” da atualidade — filmes, música, rádio e TV à cabo — nasceram de um tipo de pirataria bem definida.”
Nada se cria do nada, e isso já é conhecido há muito tempo. Shakespeare por exemplo produziu bem mais obras que são adaptações de outras pré-existentes do que obras tidas como originais de fato, e ninguém o acusa de pirataria. Se formos mais adiante e olharmos para a teoria do dialogismo do bakthin e de intertextualidade de Kristeva vemos que: “uma prática discursiva (e aqui, pode ser um texto, uma imagem, um filme) está em diálogo íntimo com uma série de outras práticas discursivas, seja por referência direta — em nível de citação, por exemplo — seja pelo processo de disseminação desses discursos, que passam a ser incorporados na própria estrutura de cada texto. “(VIEIRA, 2013, p. 50). Ou seja tudo que fazemos está de uma forma ou de outra utilizando outras produções já existentes. Outro exemplo disso é uma das bases da web 2.0 (link) que diz que se alguém pega um conteúdo e o modifica dando uma nova roupagem ou uma nova ideia, essa prática já se constitui como criação de um conteúdo novo, como é o caso dos memes e das paródias. Mas a partir do momento que grandes empresas se formaram e que a base do seu lucro era o copyright, elas pressionaram para que leis protegessem elas e o seu império midiático.
“A indústria cinematográfica de Hollywood foi construída por piratas fugitivos.”
Na época Thomas edison tentava exercer controle total sobre suas patentes já nessa ideia citada anteriormente de manter seu império, mas as companhias independentes fugiram para a costa oeste, para assim escapar das leis que ainda demorariam muito para chegar lá. Dessa forma essas empresas se firmaram e cresceram graças a falta dessas leis naquele território, mas agora essas mesmas empresas tentam aplicar a mesma pressão da qual fugiram em novos produtores independentes, nas novas tecnologias e nos consumidores.
Companhia Geral de Filmes como forma de bloquear os independentes não-licenciados. Com táticas coercitivas que tornaram-se lendárias, a Companhia Geral de Filmes confiscou equipamento não-licenciado, descontinuou o fornecimento de produtos a teatros que exibiam filmes não-licenciados, e efetivamente monopolizou a distribuição com a aquisição de todas as distribuidores de filmes dos EUA, exceto uma cujo dono era o independente Willian Fox, que desafiou o Truste antes mesmo após sua licença ser anulada”.
Esse tipo de prática da anulação da concorrência na distribuição é extremamente nociva para a cultura e também muito efetiva para se manter um monopólio de produção. No Brasil temos o caso da embrafilmes que era a empresa de distruição de filmes do estado que garantia que os filmes produzidos no Brasil fossem distribuídos por todo país e assim consumidos pela população. Fomentando assim uma indústria de cinema nacional e uma produção que levava em conta o diálogo entre o que era produzido e o que o público queria que fosse produzido. Porém com o governo Collor a embrafilmes foi fechada, e como resultado apenas empresas de distribuição americanas ficaram no país. Essas empresas distribuiam quase em sua totalidade apenas filmes americanos, fazendo com os filmes brasileiros deixassem de ser consumidos e por conseguinte que eles deixassem de ser produzidos. Criando assim o monopólio de consumo de filmes americanos que temos hoje.
4.2 Indústria Fonográfica
“Na época em que Edison e Henri Fourneaux inventaram máquinas para reprodução de música (Edison o fonógrafo e Forneaux a pianola), a lei dava aos compositores direitos exclusivos para controle de cópias de suas músicas e direitos exclusivos para controlar a reprodução pública de suas músicas. Em outras palavras, se, em 1900, eu quisesse uma cópia do hit de Phil Russel em 1899 “Happy Mose”, a lei determinada que eu teria que pagar pelo direito de ter uma cópia da partitura, e que eu também teria de pagar pelo direito de apresentá-la em público.”
Com a possibilidade criada a partir da inovação tecnológica de poder reproduzir a música em casa e de fazer cópias dessas reproduções, essas leis começaram a serem questionadas porque do jeito que estavam elas permitiam a pirataria a partir dessas formas criadas por esses dispositivos.
“Como John Philip Souza define, da forma mais direta possível, “quando eles ganham dinheiro com as minhas músicas, eu quero uma parte dele”. Esses argumentos possuem ecos familiares nas guerras da atualidade. E o mesmo acontece com os argumentos daqueles que estão do outro lado. Os inovadores que desenvolveram a pianola argumentaram que “é perfeitamente demonstrável que a introdução das pianolas automáticas não privaram qualquer compositor de nada que eles tinham antes de sua introdução” Ao contrário, as máquinas aumentaram as vendas de partituras.”
Trazendo a discussão para um caso da atualidade temos que a séria mais pirateada do mundo é Game of Thrones, mas ela também é a mais assistida hoje e os próprios criadores já afirmaram que a pirataria só ajuda a série. Pois mais pessoas ficam conhecendo a série e na temporada seguinte mais e mais pessoas ficam dispostas a assinar o canal da série para assistir assim que o episódio é lançado. Ou seja, as pessoas pagam o canal para ver o conteúdo assim que é lançado, da forma mais rápida possível e não apenas consumir o conteúdo.
“O Rádio também nasceu da pirataria. Quando uma estação de rádio toca uma música no ar, isso constitui uma “apresentação pública” do trabalho do compositor. Como eu descrevi anteriormente, a lei dá ao compositor (ou ao detentor do copyright) um direito exclusivo sobre as apresentações públicas de seu trabalho. Desse modo, a estação de rádio devem dinheiro ao compositor por tal apresentação. Mas quando uma estação de rádio toca uma música, ela não está apenas executando uma cópia do trabalho do compositor, mas também do trabalho do artista que gravou a música. (…) Pela lei que rege a radiodifusão, as estações de rádio não precisam pagar ao artista, só ao compositor. Dessa forma, elas conseguem uma parte da música de graça. Elas conseguem o trabalho do artista de graça, mesmo tendo que pagar ao compositor alguma coisa pelo direito de tocaram a música. A diferença pode ser monstruosa. Imagine que você compôs uma música. Imagine que ela é a sua primeira. Você detém o direito exclusivo de autorizar as execuções públicas dela. Portanto, se Rita Lee quiser cantar sua música em público, ela precisa de sua permissão. Agora imagine que ela cantou sua música e gostou muito dela. Ela então decide gravar sua canção e ela se torna um sucesso. Segundo nossas leis, cada vez que uma estação de rádio toca sua música, você ganha algum dinheiro. (…) A apresentação pública da sua gravação não é um direito “protegido”. As estações de rádio então acabam pirateando o valor do trabalho de Rita Lee sem lhe dar nada em troca”
Nos tempos de internet algo parecido acaba acontecendo, músicas que não fizeram sucesso ou que só fizeram há muito tempo acabam ganhando muita relevância quando um meme em formato de vídeo é criado e ganha muita popularidade. As músicas usadas para fazerem esse conteúdo se tornam muito relevantes mais uma vez e os artistas que produziram ela acabam ganhando mais dinheiro por conta disso, mas quem produziu os memes na maioria das vezes não ganha nada mesmo que sua produção a partir da música seja a responsável pelo sucesso.
4.3 TV a cabo
A TV a cabo também nasceu de uma forma de pirataria. Quando os empreendedores do cabo começaram a fornecer às comunidades com TV a cabo em 1948, muitos deles negaram-se a pagar às redes de TV pelo conteúdo que eles redistribuíam aos seus consumidores. Mesmo quando as companhias de cabo começaram a vender acesso às redes de TV, eles negavam-se a pagar pelo que elas vendiam. As companhias do cabo estavam, na prática, Napsterizando o conteúdo das redes de TV, mas de forma pior do que qualquer coisa que o Napster tenha feito — o Napster jamais cobrou pelo conteúdo que ele permitia que os outros dessem. As redes de TV e os donos de copyright foram rápidos em atacar esse roubo. Rosel Hyde, presidente da FCC, via essa prática como uma forma de “competição desleal e potencialmente destrutiva”.
Pouco depois do Napster, a distribuição por torrent a partir da tecnologia P2P começou a fazer grande sucesso na internet (e ainda faz), e que funciona basicamente da mesma forma das TV a cabo dessa época, mas assim como o naspter não se cobra nada. Outra diferença que o torrent trás é que antes dele muitas pessoas aqui no Brasil por exemplo não tinham acesso a séries produzidas nos EUA e no Japão porque as emissoras não distribuiam esse conteúdo, mas a partir do torrent esse conteúdo começou a ser distribuído de forma colaborativa entre as pessoas que subiam na rede esses programas e as pessoas faziam as legendas para eles, possibilitando assim que grande parte da população mundial que antes não tinham acesso a esses conteúdos passassem a ter. Mas mesmo fazendo algo que as empresas não faziam esse sistemas começou a ser atacado e acusado de roubo pelo grandes conglomerados de mídia.
“No fim, o Congresso decidiu essa questão da mesma maneira que decidiu quanto ao caso dos gramofones e pianolas. Sim, as companhias de cabo deveriam pagar pelo conteúdo que eles distribuíam, mas que o preço que eles deveriam pagar não deveria ser definido pelo detentor do copyright. O preço era definido pela lei, de forma que os donos de redes de TV não poderiam exercer poder de veto sobre a emergente tecnologia do cabo. As companhias de cabo dessa forma construíram seus impérios em parte porque “piratearam” o valor criado pelas redes de TV. Todas essas histórias possuem temas comuns. Se “pirataria” significa usar o valor da propriedade intelectual de alguém sem sua permissão — como tal conceito é descrito cada vez mais atualmente — então todas as indústrias afetadas pelo copyright atualmente são produtos e se beneficiaram de alguma forma de pirataria. Filme, música, rádio, TV a cabo. . . A lista é grande e poderia ainda assim ser expandida. Todas as gerações davam boas-vindas aos piratas do passado — até agora.
Essas mesmas empresas de TV a cabo que lutavam contra essas leis, hoje lutam para que as empresas de streaming tenham que pagar impostos iguais aos que elas pagam. Entretanto essa discussão no Brasil tem o teor diferente, porque o imposto a ser cobrado é o codecine, que vai para Fundo setorial do Audiovisual. Esse fundo é base para as políticas públicas de produção do audiovisual nacional, que foi muito afetada desde o caso da embrafilmes citado anteriormente. Portanto não é uma briga sobre copyrights exatamente, mas sobre políticas públicas específicas do Brasil.
Capítulo 5 “Pirataria”
Nós deveríamos nos lembrar, por exemplo, que nos primeiros cem anos da República Americana, a América nunca honrou os copyright estrangeiros. Nós nascemos, de certo modo, como uma nação de piratas. Nós estaríamos sendo hipócritas, desse modo, em insistir com tanta força de que o que as nações em desenvolvimento estão fazendo atualmente é errado quando, durante os primeiros cem anos de nossa existência, tratamos isso como certo.
As leis asiáticas protegem o copyright estrangeiro, e as ações de tais copiadores viola a lei. Nenhum país pode fazer parte da economia mundial e optar por não proteger o copyright de outros países. Nós nascemos como um país de piratas, mas não estamos dando a qualquer outro país a chance de uma infância similar
No final da década passada e começo desta os países desenvolvidos depois de terem se comprometido em pactos ambientais que reduziriam a poluição provocada por esses países começaram a atacar as políticas chineses de desenvolvimento por usar como matriz principal o carvão mineral que é uma das fontes de energia mais poluentes do mundo. Mas a china argumentou que todos esses países se tornaram o que são hoje porque na primeira e na segunda revolução industrial utilizaram fontes de energia extremamente poluentes e conseguiram se desenvolver a um ritmo acelerado, processo esse que a china não passou, continuando um país quase que completamente rural até meados da década de 1990. Tendo esse caso em vista podemos argumentar a mesma coisa no cenário da produção de conteúdo, as empresas americanas usufruíram dessas práticas de pirataria para consolidarem um mercado e se tornarem gigantes e agora não querem que as indústrias ao redor do mundo façam a mesma coisa, pois não querem perder seu domínio nesses países.
Quando os chineses “pirateiam” o Windows, isso torna a China dependente da Microsoft. A Microsoft perde o valor do software tomado. Mas ele ganha usuários que estarão acostumados a viverem no mundo da Microsoft. Com o tempo, conforme as nações ficarem mais ricas, mais e mais pessoas irão comprar software ao invés de o piratear. E com tempo, já que tais compras beneficiarão a Microsoft, a Microsoft irá se beneficiar da pirataria. Se ao invés de piratearem o Microsoft Windows os chineses estivessem usando o sistema operacional livre GNU/Linux, então esses usuários chineses não iriam comprar eventualmente produtos Microsoft. Sem pirataria, portanto, a Microsoft iria perder dinheiro.
Na china outro caso que comprova essa teoria da dependência após o costume, é o da coca-cola e do mcdonalds que passaram vários anos operando em prejuízo na china, mas depois os chineses se acostumaram e passaram a comprar esses produtos, e depois que outras marcas como a pepsi tentaram entrar nesse mercado já era tarde demais porque os chineses já estavam acostumados com a coca.
Pirataria II
Os participantes das redes de compartilhamento de arquivos compartilham diferentes tipos de conteúdos. Podemos dividi-los em quatro tipos:
A — usuários que baixam conteúdo ao invés de comprá-lo.
Esse grupo são pessoas que teriam as condições ideais para comprar o produto, mas deixam de comprar por consumirem pirataria. Esse tipo de prática infringe as leis e é prejudicial aos detentores dos direitos pois estão perdendo clientes.
B — Há alguns que usam as redes de compartilhamento de arquivos para experimentarem música antes de a comprar. O saldo final desse compartilhamento pode aumentar as compras de música.
É o mesmo caso que acontece quando pessoas pedem emprestado os discos físicos de amigos para experimentarem as músicas ou quando os amigos sugerem que outros amigos escutem a partir de discos emprestados e assim quem vai gostando das músicas acaba comprando para poder consumir por completo ou não. Essa prática infringe as leias, mas é benéfico para indústria porque faz com que pessoas conheçam mais artistas e mais obras que não conheceriam sem isso e comprem mais produtos.
C — Há muitos que usam as redes de compartilhamento de arquivos para conseguirem materiais sob copyright que não são mais vendidos ou que não podem ser comprados ou cujos custos da compra fora da Net seriam muito grandes .
Esse caso infringe as leis, mas não causa prejuízo a indústria.
D — Finalmente, há muitos que usam as redes de compartilhamento de arquivos para terem acesso a conteúdos que não estão sob copyright ou cujo dono do copyright os disponibilizou gratuitamente.
Esse caso não infringe leis pois os conteúdos compartilhados são disponibilizados na rede com consenso dos próprios autores.
Não é de hoje que a indústria fonográfica culpa a tecnologia por qualquer queda nas vendas. O caso das fitas cassete é um bom exemplo. Como um estudo de Cap Gemini da Ernst & Young afirmava, “ao invés de explorarem essa nova e popular tecnologia, os selos [musicais] preferem lutar contra ela”
Como a indústria aprendeu nos últimos anos que ao invés de tentar lutar contra a internet é melhor tentar buscar um serviço legal que possa lucrar e que seja melhor pro consumidor que a própria pirataria, como acontece com os serviços de streaming de músicas que hoje já são a forma mais utilizada para se escutar música no mundo e produzem uma receita gigantesca.
Mas apenas porque a indústria estava errada antes não quer dizer que esteja errada agora. Para avaliar a real ameaça representada pelo compartilhamento em P2P à indústria em particular, e à sociedade em geral — ao menos uma sociedade que herdou a tradição que nos deu a indústria cinematográfica, fonográfica, radiofônica, de TV a cabo, e o videocassete — a questão não é simplesmente se o tipo A de compartilhamento é prejudicial, mas sim de o quão prejudicial ele é, e o quão benéfico os demais tipos de compartilhamento são.
Nos dias de hoje essa questão já foi superada, como foi argumentado acima o mercado compreendeu que é melhor pensar numa forma de negócio que utiliza as novas tecnologias ao invés de bater de frente com eles. Como o netflix que foi lançado utilizando a lógica dos streaming piratas, mas de forma legal e oferecendo uma qualidade muito melhor que os sites piratas a um preço acessível. E hoje o número de assinantes só cresce e o número de empresas criando seus streamings só se multiplica.
Como alternativa a toda essa confusão das licenças legais tradicionais o autor oferece as Creative commons que são:
As licenças Creative Commons foram idealizadas para permitir a padronização de declarações de vontade no tocante ao licenciamento e distribuição de conteúdos culturais em geral (textos, músicas, imagens, filmes e outros), de modo a facilitar seu compartilhamento e recombinação.